Maurício Cordeiro Neves
E nvelhecer é algo que permanece conosco independentemente da idade. Eu compartilho do fato de que vivenciamos ciclos, "septênios", num esforço de preservar nossa essência. Certas correntes humanistas apoiam que se trata da infância. Isso está baseado na disponibilidade para sentir, perceber, reconhecer, identificar, aprender e reconectar as experiências o tempo todo. É assim que exploramos o mundo como se tudo fosse a boa nova, esses ciclos atingem o seu auge e logo há necessidade de recomeçar.
Com isso, a embarcação se aproxima das nereidas, muito sedutoras, que frutificam na mente do autor, urge aprendermos a ouvir seus cânticos, apenas ressoando o que peleja a consciência. Eu ainda converso com "os meus botões": Mauricio, observa-lhe as vestes, nalgumas cabe embalar a onda, são borboletas; noutras rotas, amarrotadas, deixa a nau passar.
Artista BIO
R enasci na cidade de São Paulo e desde muito pequeno eu tinha a curiosidade saindo pelos poros. Como havia poucas crianças na família, eu estava sempre na companhia de pessoas mais velhas, como primos, tios etc. Eu os observava, participava de suas atividades, acompanhava o conserto das coisas, cozinhava, ajudava e olhava o trabalho delas. Por volta dos 6 anos de idade mudei de bairro e nessa nova experiência passei a ter muitos amigos rapidamente, dezenas deles, grupos espalhados por todo o bairro. Sempre fui de fácil comunicação, apesar de reservado. Sabia encontrar o meu espaço nas atividades, nunca precisei brigar por nada. No convívio com outras crianças da minha idade eu já tinha senso do que significava amizade, mesmo muito cedo tendo presenciado injustiças. Essas coisas batiam na porta, às vezes a curiosidade nos faz abri-la, pois somos tão jovens. De maneira geral, sempre fui muito desapegado das coisas, dos meus brinquedos, e eu fazia questão de compartilhá-los. Não entendia como sendo meus, apenas serviam para aquela atividade, então não me importava em me desfazer deles, eu já havia brincado, agora precisava compartilhar, isso já pertencia a minha natureza.
Como eu era uma pessoa que transitava facilmente entre as diversas idades, imprimia um estilo de ser. Eu era aquele que gostava de conhecer as coisas, vivenciar experiências, respeitar os amigos. Então, eu acabava acumulando muitas vivências, de onde frutificavam boa parte das minhas histórias, que eu adorava juntar com outras e contar e elas sempre vinham associadas com muita imaginação.
Estar na presença de adultos era natural. Meus primos e tios foram meus primeiros espectadores, pois eles ouviam minhas histórias e se divertiam. Fui muito amado por eles e só tenho a agradecê-los por isso.
Um pesquisador de oportunidades, um caçador de ideias, eu cresci dentro de um quarto, que também era a biblioteca da casa, todos em casa liam muito, fazem-no até hoje.
Naquele quarto havia muitas enciclopédias, coleções e diversos livros de conteúdo obtuso, profundo. Obras sobre metafísica, racionalismo, comunismo, autores como Freud, Leibniz, Kant, Platão, e a minha curiosidade natural despertaria em algum momento para pegar aquele material humano fabuloso e fazer alguma coisa com eles. Eu me lembro de que certa vez decidi, sem qualquer explicação lógica, logo após ler algo sobre metafísica, fechei o livro e me veio estalo para "ler o livro de Dante". Fui procurá-lo; será que o tenho aqui? Tinha, abri o livro e comecei a ler.
Aquela história começou a construir algumas cenas na minha cabeça. Eu via de algum modo aqueles personagens dançando na minha frente, encenando, com suas falas, algumas decoradas. Sentia que outros personagens eram naturais, eu os visualizava como se estivessem em uma torre de Babel e aqueles que estavam no início dela, próximo do solo lodoso, viviam no inferno. Então eu pensava o seguinte: se eles estão no inferno, o inferno é aqui, e aqueles que estavam no meio da torre, subindo aquela espiral, se preparavam para uma audiência com Deus. Havia uma apreensão em suas falas, um gosto amargo na boca, fruto dos putrefatos restos que insistiam em ingerir, e subiam à revelia da própria sorte, tropeçando em agruras de todo tipo numa espécie de purgatório.
Eu mergulhei mais fundo nas letras, eram palavras fruídas, num português arcaico, barroco. As palavras que eu não sabia, pegava o dicionário e pesquisava o seu significado. Assim despertou uma nova brincadeira, "as tais nereidas", e que conto no meu ensaio #O CHAMADO. Uma palavra leva a outra, ou seja, eu abria um livro e quando chegava em uma palavra que eu não conhecia, eu parava e procurava o significado daquele vocábulo. Explorava todos os sentidos dele e acabava indo parar em outro livro, e depois em outro, e ali eu passava algumas horas mergulhado naquela experiência.
Emergir do nevoeiro de si mesmo é algo que fazemos diariamente. Quando você está realmente vivenciando essa experiência, você se dá conta de que não é mera figura de linguagem. As gotículas de água presentes em uma massa de ar densa e aquecida, ou a sensação de frio em uma massa de ar seco, só nos fazem ilustrar o quantum de luz interna que é preciso para dissipar a penumbra que insiste em nos frequentar.
A Travessia solitária
Permanecer em movimento
P ermanecer em movimento é uma forma nominal do Verbo, uma sensação que nos permite deixar as situações mais adversas passarem por nós, como o particípio, é algo que estacionou como um nevoeiro. Se mantivermos o movimento, ele dissipará, há sempre quem queira desembarcar. Quando a tempestade se forma no oceano, percebemos a nossa imensidão, quão realmente somos enormes, afinal estar à mercê da maré é para aqueles que se alimentam bem ao nascer do sol.
Embarcado ou desembarcado, permanecer em movimento ajudará com que a névoa se recolha, assuma o leme, permita que o Verbo promova o gerúndio, conduza a incursão. O farol aceso é indicativo do presente, o Verbo atuando no mesmo instante em que fala, por onde passares, e se puderes, apenas observe, aquiete-se e sem grande alarde, apenas aceite.